quarta-feira, 25 de março de 2009

Uma aventura com o fusquinha


Nós e o nosso fusquinha

Uma amiga minha me fez um comentário sobre uma historinha que coloquei no meu blog, que ilustrei com um belíssimo fusquinha ano 65, muito bem conservado, de um quase vizinho, que mora na pracinha, perto de mim...

O comentário da amiga me recordou uma viagem que fizemos de Salvador a S.Paulo, também num fusquinha. Só que de 1960 . Um Fusquinha 1.200 que, praticamente, andava só com o cheiro da gasolina . A data não é precisa, porque o fato estava lá do fundo do baú , de onde eu acho que nunca pretendia tirá-lo , mas...o comentário mexeu com a memória e ressuscitou o assunto. Depois de considerar diversas ocorrências, pelas nossas contas, fica estabelecido o ano de 1965 para a viagem. A família já estava completa . Éramos eu, a Paola , os dois meninos e um fusquinha , carinhosamente batisado de “ Herbinho “....Quem viu o filme “Se o meu fusca falasse “ , vai entender o porquê do apelido...

Bem, durante um tempo, me dediquei a programar a viagem com todo cuidado , prevendo todas as eventuais necessidades e a providenciar para que o fusquinha fosse todo vistoriado, para ter tranqüilidade na viagem. Não nos lembramos, eu e Paola, quando a viagem começou. Foi num dia qualquer de um ano que estimamos ter sido 1965. Preparado o carro, escolhemos o dia e saímos bem cedinho para a nossa aventura. Eu, a Paola e os nossos dois filhos. Bagagem suficiente para um bom tempo de viagem, inclusive utilizando um bagageiro sobre o teto do veículo. Pegamos a estrada e lá fomos nós pela BR324 ! A primeira cidade pela qual passamos foi Feira de Santana , mas fomos em frente . Só havíamos rodado 110 quilômetros. Tínhamos lanche e água a bordo e viajamos o dia todo , parando numa pousada além de Conquista , quase na divisa de Minas Gerais. Tivemos uma noite repousante . Naquele tempo, a Paola ainda não dirigia. Após o café, peguei no volante e tocamos para estrada. Os meninos viajavam na parte traseira brincando e brigando o tempo todo, dando um pouco de trabalho . Era preciso que eles ocupassem o tempo de alguma forma, pois tínhamos centenas e centenas de quilômetros pela frente, para vencer em três dias de viagem , na nossa marcha de cruzeiro , ou seja, velocidade controlada...Não dava para forçar a barra, sob o risco de ficarmos no caminho. A paisagem ia passando e ficando para trás. Passamos por uma cerâmica perdida naquela imensidão de espaço, com uma chaminé muito alta . Ora uma casinha isolada no meio de uma mata e num aclive, um riacho , um rio , morros , pontes e muita mata de ambos os lados... Carros, ônibus ou mesmo um caminhões nos ultrapassavam e sumiam no panorama... Em certos trechos, retas infindáveis e muitas curvas também. Tínhamos tanta bagagem que, até por baixo dos bancos havíamos enfiado coisas, inclusive a maquininha de fazer macarrão ! A estrada era boa , mas os locais de parada eram péssimos, notadamente os restaurantes e os sanitários. Mas, fomos levando e vencemos os quilômetros até Santos com uma outra dormida na estrada, sempre numa pousada , mas não me lembro onde. E o Herbinho ia se comportando. A estrada estava boa, naquela época e a paisagem maravilhosa . O carrinho era um pouco bastante desconfortável para uma viagem tão longa, mas não era possível querer demais. Após a nossa chegada em Sampa , foram precisos alguns dias de recuperação para curtir a nossa estada com a turma. Passamos, não me lembro quanto tempo. Santos, S.Paulo , Atibaia , Guarujá, Itanhaém , no sítio dos tios , onde até tivemos um dia de caçada, quando, na verdade , fomos a caça de um guarda florestal que nos perseguiu no mato após ouvir os primeiros tiros. Aconteceu que eu havia comprado uma Rossi 28 e estava caçando sem licença. Felizmente ele não descobriu a arma escondida em baixo do tapete da rural e tudo acabou dando certo . Eu não estava só. Os companheiros tinham portes e licenças. Apenas uma advertência e fim do esporte. O caso virou brincadeira porque de caçadores nos transformamos na caça... O sitio, estava instalado num terreno em elevação onde havia, na parte baixa , uma pequena lagoa com peixes. À meia altura , a casa, e, subindo, um parreiral . Naquela ocasião havia até um barril de suco fermentando, mas não deu tempo de esperar para ver como seria aquele vinho. Depois soubemos que azedou... Nos divertimos bastante , com algo inusitado. Perto do sítio, havia uma plantação de pinheiros e a tia Santina havia descoberto que , na base dos pinheiros, nasciam cogumelos comestíveis! Várias vezes fomos ao pinheiral munidos de cestos, para colher os cogumelos que estavam sempre escondidos sob a palha solta pelos próprios pinheiros. Comemos cogumelos de todos os jeitos e maneiras e ainda trouxemos uma boa quantidade na nossa bagagem. Parte deles eram sempre secos à sombra em local relativamente quente.

No sítio, durante as noites, o tempo esfriava e os dias amanheciam úmidos e com uma névoa que só começava a se dissipar em torno das 9,30 . Depois de alguns dias , voltamos para S.Paulo , onde nos baseamos e de lá quase sempre dávamos uma escapada até a casa de Marina, em Santos. Fizemos alguns passeios por Guarujá, São Vicente, Praia Grande . Foram dias belíssimos, passados com a família. Naquela altura a família estava completa . Depois, foi diminuindo de um lado e crescendo do outro. Mas, como nada dura o tempo todo, chegou a hora de escolher uma data e preparar o Herbinho para rolar mais de 2000 quilômetros pelo asfalto da BR até a nossa casa , sem esquecer o casal de coelhos angorás que os meninos haviam ganho da tia, que foram instalados em uma gaiola de madeira , bem ventilada , mas protegida do vento da estrada .Viajariam no bagageiro do teto ! ...bagageiro abarrotado, inclusive com dois pneus extras para o caso de necessidade . A estrada era tranquila. Pouco movimento.

Chegou o dia., Na véspera procuramos dormir cedo , levantamos de madrugada , e depois do café da manhã, estrada ! Primeiro, achar a saída para pegar a Dutra Os primeiros momentos foram de alguma tensão , mas, depois, relaxamos quando pegamos a ponta do asfalto e começamos a rolar de volta para casa. O Herbinho, coitado, deslocava o peso de dois adultos, duas crianças e mais o de toda a bagagem. E olha que era um Fusquinha 1.200 , não era lá esse Brastemp todo ! Seguimos viagem num dia de sol bom e cortamos para passar por Petrópolis , subindo e serra e passando em frente ao Palácio de Vidro. Até aí o fusquinha se comportou legal , mas começou a reclamar e foi preciso dar uma paradinha em Volta Redonda para regular uma válvula. Felizmente, encontrei uma oficina e um mecânico de boa vontade que, em cerca de uma hora , resolveu definitivamente o problema. Seguimos em frente . Nos sustentamos na base do lanche e bebemos a água que tínhamos a bordo. Lá pelas cinco da tarde chegamos a um local onde havia um posto , um restaurante e acomodações para passarmos a noite. Já estávamos cansados de um dia inteiro na estrada e tínhamos que tomar uma decisão. Seguir em frente e ser apanhados pela noite quem sabe onde, ou ficar ali mesmo , jantar e descansar para partir cedo no dia seguinte ? O sol ainda estava por se pôr. Ficamos . Foi o que fizemos. Tomamos banho e fomos para o restaurante . Não queríamos comida pesada, de sorte que pedimos uma salada mista que ficou famosa. O cara a serviu numa grande travessa oval e tinha de tudo. Claro que, em casa, durante muito tempo, aquela salada e a lembrança da nossa passagem pelo local, cujo nome não me lembro, mas que era algo assim como Porto não sei de que... foi , praticamente oficializada.

Tivemos uma noite tranqüila e acordamos cedinho para prosseguir . Tomamos a estrada e começamos a rolar , como eu não dirigia um Brastemp, rolava dentro das possibilidades e sem pressa alguma, tendo tido, até mesmo , a opotunidade de, em alguns momentos, de curtir a paisagem . Ora a faixa de asfalto estava completamente dentro do mato, ora acompanhava por muito tempo um rio que seguia paralelo a estrada e no mesmo nosso sentido. Uma casinha isolada, aqui e outra a quilômetros de distância, mais adiante um posto de beira de rodovia . Eu aproveitava para reabastecer. Era bastante ver um posto, que reabastecia o Herbinho, que viajou sempre de tanque cheio. E aproveitava para dar uma olhada nos coelhos .

Na parte de trás, os meninos, ora dormiam , ora faziam bagunça. Como ainda havia muito asfalto pela frente , era torcer para que eles, de alguma maneira se distraíssem . E foi assim, com o Herbinho engolindo o asfalto , metro por metro, quilômetro por quilômetro , que chegamos à divisa de Minas com Bahia e paramos novamente no mesmo local da ida, para passarmos a noite. Precisávamos de um bom banho, de nos alimentar e de dormir bem , pois o dia seguinte seria decisivo e teríamos que fazer o resto de uma esticada só...

Foi um dia duro, porém tranqüilo. Apesar de estar conduzindo um fusquinha 1.200 com todo aquele peso a ainda ter que enfrentar alguns aclives , tudo foi bem. Claro que aproveitava, sempre dentro da minha margem de segurança , os declives. Haviam trechos de estradas perigosíssimos pois eram retas que não acabavam nunca, o que fazia com que o trajeto fosse monótono. Mais o calor que emanava do asfalto, dava muito sono... Você via a estrada fechando lá longe como um funil, andava e andava e parecia que não estava saindo do lugar . Na verdade você estava andando , mas a monotonia era um grande perigo. Era preciso conversar para manter os sentidos alerta. Não me lembro onde paramos nesse dia para o nosso almoço . Devemos ter parado, certamente, em algum lugar, pois àquela altura não tínhamos mais nada e precisávamos mesmo nos alimentar. O mais difícil em toda a viagem, tanto na ida como na volta, foram os pontos de parada que eram verdadeiros desastres. Os meninos não conseguiam usar os sanitários, nem nós. O problema só foi mesmo resolvidos depois de alguns dias que já estávamos em casa...

Isso, foi naquele tempo. Hoje, as coisas devem ter melhorado . Pelo menos os pontos de paradas onde os ônibus descarregam de uma só vez 40 sofredores, muitos deles farofeiros. Mas , em compensação , a estrada naquela época , inspirava confiança, o tráfego era menor e ainda havia aquele espírito de solidariedade de um ajudar o outro , no caso de alguma necessidade. Hoje não se pode confiar em ninguém. Até ônibus são assaltados e passageiros depenados, sendo largados no mato apenas de cuecas ou calcinhas...

De lá para cá, as estradas se deterioram. Estão cheias de buracos, têm sinalização deficiente . Depois de vencidas tantas primaveras, não a faria de novo . Mas, uma coisa , é certa. A viagem deixou saudades. A disposição e boa vontade do Herbinho mostrou que tamanho não é documento. Certo que viajar num Toyota, num Mercedes, é outra coisa, mas o Herbinho nos levou e nos trouxe , foi o herói da jornada. Havia relativamente pouco movimento , mas pesado. Sempre encontrava um caminhão pela frente e era preciso seguí-lo e aguardar uma boa e segura oportunidade para realizar uma ultrapassagem . Era necessário, caso contrário levaríamos uma semana na estrada. E O Herbinho fez isto também, com muita valentia... Muitas das ultrapassagens foram conseguidas com a colaboração dos próprios motoristas que assinalavam os momentos oportunos e diminuíam um pouco para que você passasse com facilidade. Agradecia com um toque de buzina e um dedo para fora com o sinal de positivo ! Em compensação ônibus e carros mais velozes nem tomavam conhecimento da minha presença na estrada...

Pena que naqueles tempos eu não tivesse a mania das fotos para ter documentado parte do acontecimento.

Sarnelli 23.03.2009


4 comentários:

  1. Sinto prazer em ler e acompanhar suas histórias.Lembranças de passados não tão distantes.

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  2. Seu jeito de escrever me fez sentir junto com a familia dentro do fusquinha e participando dessa viagem. Obrigada.Foi muito gostoso passear tambem!!( tambem tive um fusquinha....) Valeu, Bar! Você é um dos melhores cronistas do Brasil!!! Duda

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  3. Bartolo, que boas lembranças! Tanto trabalho para encarar um passeio! Tanta falta de comodidade e conforto! No entanto, são lembranças que dão um sabor todo especial à vida!
    Adorei cada segundo desta viagem. Adorei teus parentes (sim, deu até para imaginar cada um deles, o burburinho ao redor do Sarnelli e da Paola com seus meninos. Tia Santina com seus cogumelos preparados de todas as maneiras possíveis!
    Pude até "ouvir" teus meninos, intercalando resmungos de sono, de cansaço, brincadeiras e brigas - tão típicas de duas crianças que precisam "tolerar-se" em uma longa viagem!

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  4. Mais uma vez, as "coincidências" da vida... Um jovem casal, com dois filhos...as viagens em um fusquinha... Um bagageiro carregadinho sobre o carro... dois meninos brincando, dormindo e brigando no banco de trás... lanches feitos dentro do carro, com uma alegria especial.
    Sabe, mudou a data (o ano). O local. A cor do fusquinha. Mas acreditas que até o apelido do fusquinha era o mesmo?
    Coincidências?
    Fraterno abraço.

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