segunda-feira, 1 de junho de 2009

Crônicas do Reinhard




A fazenda Jequitibá que eu conheci - esta crônica está sendo levada ao ar com a concordância do seu autor . Foto baixada da Internet .



A fazenda de Jequitibá, que até os anos 30 do século passado pertencia a Plínio Tude, fica no Município de Mundo Novo, uns 350k de Salvador. O nome daquele local veio de um gigantesco pé de Jequitibá em meio a uma vegetação repleta de carrapatos...

Por volta de 1937, Dona Isabel Tude, viúva do falecido Plínio Tude doou a propriedade a uma ordem religiosa, dando também aos padres a missão de ali instalar escolas e ensinar aos pobres lavradores e respectivos filhos a ler, escrever, ser cidadãos... religiososs... e técnico a partir dos anos 60 com a vinda de jovens profissionais como eu e verbas da Europa.
Primeiro e nos anos 30 vieram monges austríacos do mosteiro de
Schlierbach / Alta Áustria - Ordem dos Cisterciênses... primos dos
beneditinos, por assim dizer - cujo lema também é ORA ET LABORA.

Não sei porque tinham de construir naquela região - onde só havia alguns casebres de taipa - bem no alto daquele morro, um monstro de prédio igual aos mosteiros da Europa de séculos passados. A construção com muros de pedra de dois andares está lá até hoje para quem quiser admirar. A bem da verdade, há apenas meio prédio de dois andares em forma de um "L", com outras construções mais modernas justapostas. Vale ressaltar que os claustros e as celas de monges eram feitas de paredes de quase meio metro de espessura... Em torno do conjunto dos prédios ocupados pela população celibatar de Jequitibá há um imenso pomar parecendo um paraíso... A partir do pé do morro há casas de trabalhadores, a escola Sto António e Escola Sta.Isabel e desde a minha chegada os três galpões de oficinas da escola agro-industrial.

Na época eu era o mais novo habitante daquele mosteiro lá no alto da colina. Me deram uma daquelas celas no térreo ao longo do claustro para morar. Cada cela dessas até hoje contém uma cama com criado mudo, uma mesa, uma cadeira, um guarda-roupa e uma pia com água potável. Em 1969 ainda não havia latrina nem chuveiro naquelas celas. Ao sentir algum peso no baixo ventre, era preciso sair da cela e caminhar uns 20 metros para um cubículo, onde também eram guardados os arreios para cavalos e
onde havia insetos que até a então eu não conhecia. Baratas.. enormes baratas. Havia um agravante... acordar de manhã com vontade de urinar e aquela alteraçãozinha anatômica peculiar que essa vontade costumava provocar... Não dava para andar pelo claustro daquele jeito... O jeito era recorrer à pia. Havia a pia.. não havia?

Dizer que a cela era espaçosa era um eufemismo e tanto. Ela media uns 40 metros quadrados... e uns 240metros cúbicos de tão alto era o pé direito. Dava para praticar arremessos de cestas de três pontos sem sair da cama... e por falar em basquete... o peitoril das janelas estava tão alto do chão que não dava para ver o que se passava do lado de fora... Se enxergava apenas umas nuvens e um ou outro urubu voando baixo... a não ser que o ocupante da cela jogasse na MBI ou na seleção brasileira de basquete ou de vôlei. Era horrível e inóspita aquela cela que com
tempo decorei a minha maneira... um tanto mundana, porém sem torná-la parecida com uma oficina de borracheiro...

Não havia nenhuma comunicação com o mundo externo. Tanto para Mundo Novo quanto para Ruy Barbosa eram umas 7 léguas e só se chegava lá de carona, de trem - cujo horário quase nunca coincidia com as nossas necessidades - ou à cavalo.

Jequitibá, desde o primeiro momento era para mim uma espécie de
Alcatraz, uma Guantanamo... Os outros europeus que moravam ali vinham da zona rural da Áustria, enquanto eu era urbano até a medula, costumava frequentar cafés, casas de espetáculos e era acostumado a uma relação de trabalho com cartão de ponto e um sindicalista por metro quadrado de chão de fábrica, enquanto os demais eram acostumados a seguir as ordens
de um fazendeiro... 24 horas por dia. Eu era um peixe fora d´água!

Não tive muito tempo para pensar nisso. Havia muito a aprender e
a trabalhar, instalando máquinas e preparando material didático para o início das aulas.

Também conheci o tal pé de Jequitibá. Na volta tentei me livrar de uns pontinhos quase invisíveis a olho nu... mas nenhuma água com sabão era capaz de me livrar daqueles carrapatos... criaturas do inferno.

Qualquer hora conto mais sobre aqueles meus primeiros dias no Brasil há 40 anos... e até sobre o Zé do Covão. Ora pro nobis

Reinhard

Lackinger












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