Bem , antes de convidar os clientes do Bistrô PortoSol para passeios gastronômicos à Áustria dos anos 50 do século passado, eu já havia viajado numa máquina do tempo.
O desembarque no Rio de Janeiro teve um imprevisto. O pessoal da alfândega não quis liberar o meu baú de ferro contendo além de objetos pessoais, diversos instrumentos que me seriam úteis no ensino metalúrgico no interior da Bahia... mais precisamente em Jequitibá, município de Mundo Novo. Como ingênuo austríaco, não compreendi o porquê da lista dos itens que trazia, carimbada e assinada pelo então embaixador brasileiro em Viena não ser aceito... e como não estava disposto a pagar NCR 50,00 isto é, 50 cruzeiros novos naquele maio de 1969, a um despachante, levei 11 dias vendo um processo acumular um calhamaço de papéis de quase 20cm de altura. A bem da verdade, só passei as manhãs na alfândega, sendo mandado de Poncio para Pilatos. As tardes passei na Praia de Ipanema, visitando a cidade, o Corcovado, o Jardim Botânico, o Pão de Açucar... Adorei o Rio, embora super-estranho para mim. Sentia clima de verão, porém estranhei a chegada prematura da noite... Na Áustria, dias de verão terminam depois das 22 horas... sem falar do firmamento que parecia estar de cabeça para baixo. Cadê a ursa maior, ursa menor etc? Arquivei todas essas novidades entre as coisas "exóticas" que eu era disposto a enfrentar.
Finalmente peguei o ônibus comercial da Itapemirim até Salvador. Como não havia mais carro até Ruy Barbosa naquele dia, me aconselharam a pegar um ônibus até Itaberaba. Chegando novamente a Feira de Santana, um susto! Estaria eu voltando ao Rio de Janeiro? Companheiros de viagem me tranquilizaram dizendo que o caminho era esse mesmo... Tranqüilo , só fiquei mesmo quando o ônibus deixou a Rio-Bahia e seguiu noite fresquinha adentro através da caatinga a Itaberaba, onde consegui um lugar entre mais outros três ou quatro passageiros, todos tipos de tralhas, inclusive as minhas, galinhas e quem sabe um porco. De Ruy Barbosa até Jequitibá acabei indo de carona com o chefe do projeto, onde eu iria instalar o ensino metalúrgico.
A paisagem através os últimos 20km e de Macajuba até Jequitibá se parecia com gravuras de Lucas Cranach do século XV. Quando finalmente cheguei ao mosteiro de Jequitibá, me vi instalado e morando numa cela de monge e submetido a uma ordem monástica em meio do nada. Foi quando percebi que apesar da longa viagem de trem de Kapfenberg na Áustria até a cidade portuária de Genova, a travessia do Oceano Atlântico até o Rio e a viagem até a Bahia, eu não consegui chegar ao Brasil de verdade... Senti que havia voltado à Áustria... do século XVIII. Era como se eu tivesse caído dentro do cenário do romance de Umberto Eco "O nome da rosa".
Com o meu projeto em Jequitibá eu ganhei um pesadelo... enquanto os monges ganharam um herege.
Brasil em todas as dimensões eu só iria conhecer a partir de minha vinda para Salvador, convidado a ensinar na Escola Técnica Federal da Bahia um ano e meio depois...
Amem
Reinhard Lackinger
esse texto é patrocínado pelo Bistrô PortoSol. Se você não quiser receber mais essas baboseiras, é só mandar um e-mail dizendo: me tire da lista!